Literatura Goiana, viagem aleatória
Em qualquer manual estão inscritas as causas do retardamento da maturidade cultural do Centro-Oeste: o atraso econômico e a desorganização social de seu povo, a distância das grandes metrópoles, a ausência de vantajoso intercâmbio cultural com as metrópoles de avançada estrutura dos meios de veiculação da crítica e da formação cultural, a carência de investimentos públicos no setor e o tardio surgimento de centros de ensino. Com a agravante da interiorização, que dificultava o envio dos filhos para estudos na metrópole ou na Europa. Basta lembrar que só em 1846 foi instalado em Vila Boa (atual Goiás), o Liceu de Goiás. Sem formação, só é possível cultura popular. E literatura não é cultura popular, apesar de nela vitalizar-se.
Não é de hoje o reconhecimento dos entraves históricos que deixavam no abandono a atividade cultural. Ainda em 1942, em artigo publicado na revista Oeste, José Décio Filho reclamava que, em Goiás, “sempre nos faltaram orientação segura e incentivo, principalmente. Estado que ora se integra tão auspiciosamente na civilização brasileira, após tantos anos, de incubação sentimental e inútil, vive ainda soletrando o bê-a-bá das letras, completamente fora do mundo intelectual do país”.
Assim, pode-se constatar que apenas nos primeiros centros colonizados do País (Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais) houve ambiência para o Arcadismo, o Barroco, o Romantismo. Nos demais Estados, as condições seriam idênticas às desenvolvidas no Centro-Oeste. Só depois de completado o ciclo do ouro, a classe dominante buscou rumos que possibilitassem a formação de seus filhos. Então, só no advento do Modernismo houve ambiência para que um movimento literário alcançasse repercussão nacional. Portanto, o intelectual goiano deve compreender que é recente a sua territorialidade cultural, mas que deixou de existir fronteira para a interação com as metrópoles. A interação só será barrada se as metrópoles descobrirem que ele mesmo não se compreende.
É tão importante a formação para credenciamento do homem para a prática literária que os quatro principais escritores goianos estudaram no Liceu de Goiás. Por ali passaram Hugo de Carvalho Ramos, Bernardo Elis, José J. Veiga e José Godoy Garcia. Com o despertar da cidadania que o ensino formal enseja, três deles buscaram contato com as grandes metrópoles culturais. Assim, na década de 40, a literatura ascenderia à maturidade literária iniciada em 1917 por Hugo de Carvalho Ramos, com Tropas e boiadas, que o jovem Luiz Ruffato inclui na seleção de seus livros prediletos, e que o músico Elomar destaca como uma das grandes contribuições para a sua formação (Que brasilidade, que coisa bonita!, declarou em entrevista).
José J. Veiga, assim batizado literariamente pelo seu amigo Guimarães Rosa (“O Guimarães Rosa era muito versado em numerologia. Quando eu estava para lançar o primeiro livro, ele disse: ‘Você vai sair só como José Veiga? Assim não dá, ninguém tem apenas nome e sobrenome. Disse a ele que eu chamava José Jacinto Pereira Veiga. Ele tomou nota, fez alguns cálculos, levou algum tempo e disse: ‘Põe José J. Veiga, vai ser bom para você’.”), começou a publicar mais tarde. Só em 1959, depois de trabalhar na imprensa carioca e na BBC de Londres, publicaria Os cavalinhos de Platiplanto. Com esse livro e os vindouros, colocou o Brasil na vanguarda do realismo fantástico. Do fantástico crítico, de resistência à opressão. Nenhum outro iria se ombrear com ele.
Desde o período que começa com o lançamento de Hugo Carvalho Ramos e vai até o lançamento do GEN (Grupo de Escritores Novos), em 1963, surge uma plêiade de escritores inapagáveis da história literária, que as forças intelectuais de Goiás têm a obrigação de manter vivos com o correto posicionamento crítico. Basta mencionar João Accioli (um dos instauradores do Modernismo no Estado), Jesus de Barros Boquady (que morreu totalmente esquecido em Brasília, com grande parte de sua poesia ainda por publicar), Carmo Bernardes (de leveza e autenticidade tão ausentes da literatura nacional!), Eli Brasiliense (o naturalismo está novamente em voga), e Afonso Félix de Souza (um dos poetas goianos mais bem publicados fora do Estado). E uma centena de outros mais, alguns sendo reabilitados lentamente, sobretudo os poetas, em coleção da Universidade Federal de Goiás.
Com a inserção de Goiás na pós-modernidade, através do GEN, surgiu uma constelação de autores, e, nesta constelação, o sol do conflito. Aproveito aqui para me penitenciar por ter aceitado participar do conflito em determinado instante de minha juvenil atuação crítica. Imperdoável que, num dos momentos mais importantes para as obras de Heleno Godoy e Miguel Jorge, eu tenha atendido chamamentos — muitas vezes sugeridos por forças externas à minha compreensão — para macular parte de suas produções.
E agora, com humildade e melhor visão, reconheço que Heleno Godoy é um dos raros goianos que busca inovação de linguagem. E sem o trabalho de Miguel Jorge — somadas aí as suas obras literárias, um dos raros a escrever para o teatro no Estado — à frente do suplemento de O Popular, os novos escritores de Goiás não teriam alcançado o mercado editorial e a crítica das grandes metrópoles. Foi só o suplemento ser extinto para muitas portas se fecharem para a literatura goiana, principalmente das centenas de concursos literários promovidos pelas Prefeituras Municipais.
Alguns autores merecem nova hierarquização e melhor inserção na história da literatura: Heleno Godoy, Miguel Jorge, Antônio José de Moura, Gabriel Nascente, Aidenor Aires (prêmio Nestlé, que precisa trazer a lume novas obras), Maria Helena Chein, Coelho Vaz, entre outros. Yêda Schmaltz merece transitar por fora do GEN, já que sua obra teve aval crítico mais universalizador. Ainda Brasigóis Felício, com a sua literatura de resistência visceral; Valdivino Braz e Delermando Vieira, que optaram pelo neo-simbolismo; Pio Vargas, que teve participação meteórica na poesia goiana, também na linhagem neo-simbolista; e Dionísio Pereira Machado, com autenticidade neo-realista. Ainda à margem, brilham as estrelas de Gilberto Mendonça Teles, que ordena parte da história da literatura goiana; Alaor Barbosa, de obra vasta e polifônica; Cora Coralina, a matriarca da literatura goiana; e Augusta Faro, quê, na linha de José J. Veiga, traz alento novo ao fogo do realismo fantástico.
Não é de hoje o reconhecimento dos entraves históricos que deixavam no abandono a atividade cultural. Ainda em 1942, em artigo publicado na revista Oeste, José Décio Filho reclamava que, em Goiás, “sempre nos faltaram orientação segura e incentivo, principalmente. Estado que ora se integra tão auspiciosamente na civilização brasileira, após tantos anos, de incubação sentimental e inútil, vive ainda soletrando o bê-a-bá das letras, completamente fora do mundo intelectual do país”.
Assim, pode-se constatar que apenas nos primeiros centros colonizados do País (Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais) houve ambiência para o Arcadismo, o Barroco, o Romantismo. Nos demais Estados, as condições seriam idênticas às desenvolvidas no Centro-Oeste. Só depois de completado o ciclo do ouro, a classe dominante buscou rumos que possibilitassem a formação de seus filhos. Então, só no advento do Modernismo houve ambiência para que um movimento literário alcançasse repercussão nacional. Portanto, o intelectual goiano deve compreender que é recente a sua territorialidade cultural, mas que deixou de existir fronteira para a interação com as metrópoles. A interação só será barrada se as metrópoles descobrirem que ele mesmo não se compreende.
É tão importante a formação para credenciamento do homem para a prática literária que os quatro principais escritores goianos estudaram no Liceu de Goiás. Por ali passaram Hugo de Carvalho Ramos, Bernardo Elis, José J. Veiga e José Godoy Garcia. Com o despertar da cidadania que o ensino formal enseja, três deles buscaram contato com as grandes metrópoles culturais. Assim, na década de 40, a literatura ascenderia à maturidade literária iniciada em 1917 por Hugo de Carvalho Ramos, com Tropas e boiadas, que o jovem Luiz Ruffato inclui na seleção de seus livros prediletos, e que o músico Elomar destaca como uma das grandes contribuições para a sua formação (Que brasilidade, que coisa bonita!, declarou em entrevista).
José J. Veiga, assim batizado literariamente pelo seu amigo Guimarães Rosa (“O Guimarães Rosa era muito versado em numerologia. Quando eu estava para lançar o primeiro livro, ele disse: ‘Você vai sair só como José Veiga? Assim não dá, ninguém tem apenas nome e sobrenome. Disse a ele que eu chamava José Jacinto Pereira Veiga. Ele tomou nota, fez alguns cálculos, levou algum tempo e disse: ‘Põe José J. Veiga, vai ser bom para você’.”), começou a publicar mais tarde. Só em 1959, depois de trabalhar na imprensa carioca e na BBC de Londres, publicaria Os cavalinhos de Platiplanto. Com esse livro e os vindouros, colocou o Brasil na vanguarda do realismo fantástico. Do fantástico crítico, de resistência à opressão. Nenhum outro iria se ombrear com ele.
Desde o período que começa com o lançamento de Hugo Carvalho Ramos e vai até o lançamento do GEN (Grupo de Escritores Novos), em 1963, surge uma plêiade de escritores inapagáveis da história literária, que as forças intelectuais de Goiás têm a obrigação de manter vivos com o correto posicionamento crítico. Basta mencionar João Accioli (um dos instauradores do Modernismo no Estado), Jesus de Barros Boquady (que morreu totalmente esquecido em Brasília, com grande parte de sua poesia ainda por publicar), Carmo Bernardes (de leveza e autenticidade tão ausentes da literatura nacional!), Eli Brasiliense (o naturalismo está novamente em voga), e Afonso Félix de Souza (um dos poetas goianos mais bem publicados fora do Estado). E uma centena de outros mais, alguns sendo reabilitados lentamente, sobretudo os poetas, em coleção da Universidade Federal de Goiás.
Com a inserção de Goiás na pós-modernidade, através do GEN, surgiu uma constelação de autores, e, nesta constelação, o sol do conflito. Aproveito aqui para me penitenciar por ter aceitado participar do conflito em determinado instante de minha juvenil atuação crítica. Imperdoável que, num dos momentos mais importantes para as obras de Heleno Godoy e Miguel Jorge, eu tenha atendido chamamentos — muitas vezes sugeridos por forças externas à minha compreensão — para macular parte de suas produções.
E agora, com humildade e melhor visão, reconheço que Heleno Godoy é um dos raros goianos que busca inovação de linguagem. E sem o trabalho de Miguel Jorge — somadas aí as suas obras literárias, um dos raros a escrever para o teatro no Estado — à frente do suplemento de O Popular, os novos escritores de Goiás não teriam alcançado o mercado editorial e a crítica das grandes metrópoles. Foi só o suplemento ser extinto para muitas portas se fecharem para a literatura goiana, principalmente das centenas de concursos literários promovidos pelas Prefeituras Municipais.
Alguns autores merecem nova hierarquização e melhor inserção na história da literatura: Heleno Godoy, Miguel Jorge, Antônio José de Moura, Gabriel Nascente, Aidenor Aires (prêmio Nestlé, que precisa trazer a lume novas obras), Maria Helena Chein, Coelho Vaz, entre outros. Yêda Schmaltz merece transitar por fora do GEN, já que sua obra teve aval crítico mais universalizador. Ainda Brasigóis Felício, com a sua literatura de resistência visceral; Valdivino Braz e Delermando Vieira, que optaram pelo neo-simbolismo; Pio Vargas, que teve participação meteórica na poesia goiana, também na linhagem neo-simbolista; e Dionísio Pereira Machado, com autenticidade neo-realista. Ainda à margem, brilham as estrelas de Gilberto Mendonça Teles, que ordena parte da história da literatura goiana; Alaor Barbosa, de obra vasta e polifônica; Cora Coralina, a matriarca da literatura goiana; e Augusta Faro, quê, na linha de José J. Veiga, traz alento novo ao fogo do realismo fantástico.
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